quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Somos todos poemas inacabados


Foto: DDiArte - Dançando com o Azul

Chegamos tarde para os Deuses e cedo demais para o Ser. O homem é um poema inacabado.

Martin Heidegger

Afetamos o mundo com nossas atitudes, e somos afetados por todas as atitudes do mundo. O sistema capitalista, cada vez Mais nos propõe como estratégia de consumo o individualismo, que contraditoriamente, tem promovido a uniformização e totalitarismo, como se fosse possível romper com a cadeia de interelações humano-cosmológicas. Isolados em nossos pensamentos, dúvidas e medos, nos perguntamos: que mundo é esse? Como chegamos a esse caos? Não compreendemos como mergulhamos num processo cego que nos faz crer, que olhando para fora e pagando por uma felicidade fabricada, ditada por um modelo poderoso e, no entanto, frágil e ilusório, seremos mais felizes. E assim, perdermos o foco principal, nossa real natureza interior, nosso árduo exercício de ser, sendo a cada dia, cientes e fiéis a nossa busca de sentido.

Talvez, estejamos realmente prestes a um naufrágio coletivo, talvez, a tecnologia possa nos oferecer soluções para os riscos ambientais eminentes, a tragédia mais que anunciada. Mas o que nos cabe agora? De que forma, podemos contribuir para que o planeta terra, possa imaginar e construir um futuro que nos honre como seres desenvolvidos? Conquistamos gigantesco progresso, mas a humanidade parece não ter atingido maturidade proporcional ao seu crescimento. Repetimos os mesmos erros, agimos com inconseqüência, negligenciamos a grande família humana. Abrimos mão das coisas simples e naturais. O ego tomou o lugar das nossas consciências, o orgulho e o egoísmo dirigem as condutas. Nossas crianças e jovens estão crescendo num mundo que causa grande apreensão e insegurança, e o que é pior, falta de significado. O que podemos fazer?

Vinha escrevendo até aqui, totalmente insatisfeita, sentindo insuficiência no meu propósito de transmitir algo que realmente traduzisse meus sentimentos tão abalados pelas condições atuais de nosso planeta, quando fui arrebatada pelo texto e análise impecável de José Castello para o livro As Pequenas Raposas de Lillian Hellman – ed. José Olympio. Talvez, na frase em que o colunista tenta compreender o estilo literário da escritora, cheio de pudor, (segundo ele) possa estar a resposta as perguntas que vinha fazendo. Ele diz: “O sucesso é bom, mas é perigoso. Ele nos fixa em imagens suntuosas, nos cobra uma coerência e uma constância que não temos, e - o pior – inibe o que temos de mais humano: a vocação para o erro.”

Nesse sentido, podemos pensar a espécie humana como um imenso sucesso, principalmente, considerando a história e o vertiginoso progresso que temos alcançado nos mais diferentes segmentos. Mas será que temos clareza dessa vocação para o erro de que nos fala José Castello? Será que escreveríamos uma história digna de um planeta tão paradisíaco, se tomássemos consciência de nossa propensão ao erro? E por fim Castello pergunta: “O que seríamos, se o medo não nos dobrasse?”.

Sim! O que seríamos? Se fizéssemos de nossas palavras ações, de nossa indignação, participação. Não apenas esperar melhores soluções, mas desenvolvê-las. Olhar para dentro, ousar acessar nossa fonte de luz, enfrentar sanções e censuras que nos impedem de arriscar por um mundo mais fraterno e justo, um mundo que se percebe tão semelhante na dor, no medo, e que no fundo, simplesmente deseja mais amor e solidariedade. O resto já encontramos pronto, uma velha e bela casa, o paraíso que habitamos.

Margareth Bravo

clique e amplie Foto: Ines - Um lugar

“ Coloquei minha casa sobre o nada, por isso todo o mundo é meu.” Goethe

Me diz... de cima do seu muro

O que me reserva o futuro?

Eu que mesmo com medo vou no escuro, agora te pergunto:

Será que você que está lá pode adivinhar?

Somente sombras, ou nossa única certeza de destino?

O futuro não existe como fato consumado, ele mora no presente, naquilo que você desejar, naquilo que você arriscar.

Eu viajo até o futuro, só para te acordar.

Para dizer que o presente é o único tempo que existe e o único lugar.

Margareth Bravo

Foto: Arquivo pessoal

Depende de nós

Ivan Lins e Vitor Martins

Depende de nós
Quem já foi ou ainda é criança
Que acredita ou tem esperança
Quem faz tudo pra um mundo melhor

Depende de nós
Que o circo esteja armado
Que o palhaço esteja engraçado
Que o riso esteja no ar
Sem que a gente precise sonhar

Que os ventos cantem nos galhos
Que as folhas bebam orvalhos
Que o sol descortine mais as manhãs

Depende de nós
Se este mundo ainda tem jeito
Apesar do que o homem tem feito
Se a vida sobreviverá

Depende de nós
Quem já foi ou ainda é criança
Que acredita ou tem esperança
Quem faz tudo para um mundo melhor



domingo, 1 de novembro de 2009

Brasil, o Gigante que Dança !

Foto: Escultura do artista Geraldo Lopes( Branco) arquivo pessoal.

Mesmo em plena era da ultra comunicação, pode acontecer paradoxalmente, de algo nos escapar, de algo não chegar ao nosso conhecimento, ou chegar tardiamente, por motivos diversos, inclusive pelo excesso, pelo grande volume diário de informação, que nos mergulha num mar tantas vezes revolto de notícias e desnotícias. Pois bem, está em cima da hora, mas me sinto inquieta, e uma necessidade de divulgar como quem cumpre um dever, mas um dever do coração.

No Brasil, já há muito, criou-se o hábito de falar mal do nosso país. Isso é terrível, tanto pior quando vindo dos próprios brasileiros, na maioria das vezes desinformados sobre suas próprias potencialidades... Ah! Como o Brasil precisa de um espelho! Temos nos destacado mundialmente em vários segmentos da Ciência à Moda, da Arte ao Esporte, e isso naturalmente, só ocorre por um único motivo e mérito: o empenho de brasileiros que exercem a vontade e a cidadania, contra todas as impossibilidades, contra todos os governos e desgovernos pelos quais já passamos, contra toda política maniqueísta, todas as atitudes lesa-pátria. Nós, brasileiros, vamos driblando os obstáculos que nos impedem de enxergar nossa grandeza, nossa magnitude, e assim numa dança de improviso, abrigando cada gesto, cada possibilidade, vamos crescendo a olhos vistos, mas ainda nos falta um olhar que dê conta de tão gigante corpo-nação, que como um bailarino possuído pela Deusa da dança e da música, busca em incessante gôzo um salto para o futuro!





" Cada gesto é um pequeno mundo"

"Os corpos são o lugar da dança"




A 18ª edição do Festival Panorama de Dança 2009 está aí para confirmar minhas palavras. O Brasil vem há anos obtendo destaque no cenário internacional da dança, e foi a energia e sensibilidade de pessoas assim como o curador , crítico, e pesquisador Roberto Pereira (foto) falecido em junho, que possibilitou instruir nosso olhar para um panorama antes velado. Ele será justamente homenageado na noite de abertura do Festival.
Eu não vou me estender, já que toda a programação e as informações podem ser obtidas aqui - Festival Panorama da Dança 2009. Por favor, explorem o site, e se orgulhem como eu, dos brasileiros envolvidos nesse grande movimento da dança no Brasil! Aproveitem o impulso da dança e conheçam também, o maravilhoso site - idança.net onde encontramos tudo sobre o mundo da dança.

Pequena historinha imaginada da criação:
Deus criou o mundo, em seguida criou a dança e viu que estava tudo perfeito... dançou, dançou, dançou...
Mas como se sentiu sozinho, resolveu arranjar companhia. Então, criou Adão e depois, animado com o seu feito, de sua costela,( da costela? Não teria parte mais interessante?Não podia ser do coração?) tratou de criar Eva. Daí, logo os dois estavam dançando um pas de deux alegremente, e Deus, enciumado, e sendo já velho conhecido do assunto, resolveu dar seus pitacos de coreógrafo.
- Não, não, não dancem com a serpente!

E deu no que deu. E até hoje, os seres humanos buscam através da dança e da arte sua liberdade perdida!

obs: Acho que Deus anda repensando o caso. O único problema é que Ele tem a eternidade para pensar!

Margareth Bravo

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Brasil Rural Contemporâneo - Um novo Brasil

" Aqueles cuja esperança é forte, vêem e apreciam todos os sinais da nova vida e estão prontos a todo instante para ajudar no nascimento daquilo que está pronto para nascer.”

Eric Fromm


Adoro o termo contemporâneo, seja associado à música, a dança, ou a demais manifestações, mas nunca essa palavra teve uma aplicação tão ampla, quanto no Evento Brasil Rural Contemporâneo VI Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária – que começou no dia 7 e vai até 12 de outubro na Marina da Glória. Todos os detalhes e são muitos, no site do Ministério do Desenvolvimento Agrário. (MDA)
São 25 mil metros quadrados, da ma
is arrojada iniciativa que eu já pude assistir no Brasil, realmente, é de emocionar, nada de obras faraônicas, para ficar para a posteridade, mas a exposição de um programa de reforma agrária moderno, produtivo com medidas eficientes e justas, com capacidade para promover um progresso incomensurável para o nosso país. Já não era sem tempo do Ministério do Desenvolvimento Agrário ocupar com ações, um lugar do tamanho do Brasil.


O sistema de cooperativas como maior expressão da possibilidade do humanismo posto em prática. Devemos ressaltar o árduo trabalho efetuado pelo Sebrae que surgiu em 1972 para estimular o empreendedorismo e o desenvolvimento do Brasil, e aqui reverencio o esforço de todos aqueles que em conjunto se empenharam para que isso fosse realidade. Assim como devemos nos congratular com todos os organismos que deram suporte para iniciativas construtivas e vitoriosas que apostaram na cooperação e na dignidade humana. Dessa forma, podemos constatar pela alegria dos expositores, o quanto é gratificante poder permanecer em suas terras e delas obter o sustento e a realização, revolucionando assim o antigo modelo do êxodo rural, onde se abandonava o campo em busca de oportunidades que lá já se encontravam e careciam apenas, de apoio e organização. O novo paradigma joga por terra literalmente, os velhos e agressivos métodos que nada propõem a não ser invasão.

Fiquei sensibilizada conversando com expositores, destaco Luzineide de Uauá, e Socorro de Mossoró, ambas apaixonadas e orgulhosas de suas terras, que num depoimento entusiasmado, me fizeram ver uma nova face do Brasil, um Brasil para se olhar de novo. E para isso já existe inclusive uma nova modalidade de turismo – o Turismo Rural. Dá gosto verificar a versatilidade de produtos como o Umbu e o Babaçu, e tudo que pude experimentar no mais alto padrão de qualidade, além da enorme surpresa com o palmito de pupunha, uma verdadeira delícia dos deuses. O programa de bibliotecas rurais Arca das Letras (desde 2003) nos deixa com a impressão de que dá para ler o Brasil de uma forma diferente.


Sugiro que ao visitarem a Feira, além de degustarem todas as delícias e adquirirem os diversos e belos produtos, aproveitem também a oportunidade para conversar um pouco com os expositores, eles são a melhor medida para nos dar a dimensão desse grandioso trabalho.




Tecnopop








As imagens acima do fotógrafo oficial Eduardo Aigner, são tão especiais, que tive dificuldade de escolher, entretanto, todas podem ser apreciadas no site do MDA. Quero registrar que o tratamento de imagem e concepção de montagem do evento, é um espetáculo a parte, porém não consegui descobrir seus criadores. Sem exagero, saí da Marina da Glória, com a sensação de ter visitado um pedaço do paraíso. Não percam!!!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Simplesmente Beth Goulart!

Foto: Lula Lopes

Fiquei completamente extasiada com a peça Simplesmente eu. Clarice Lispector; encenada, adaptada e dirigida por Beth Goulart com a supervisão de Amir Haddad.

Vou me limitar a compartilhar aqui minhas impressões porque não me contenho de vontade de tecer os melhores elogios a esse espetáculo, em tudo e por tudo impecável!

A rede está repleta de maravilhosas e enaltecedoras críticas, as especializadas como a de Bárbara Heliodora, e a de blogueiros especiais como Jorge Fortunato, meu amigo, com quem assisti a peça.

Beth Goulart, em minha opinião ascendeu ao Olimpo. É impressionante constatar como ela encarna Clarice Lispector e passa de personagem a intérprete com tamanha maestria e leveza. Mas, não pensem que isso se deu de forma casual, a atriz, fez uma imersão durante dois anos, tendo inclusive utilizado a psicanálise como ferramenta de seu primoroso trabalho conduzida pela psicanalista Daisy Justus, além de outras pesquisas relatadas por ela, no site Grandes Talentos.

E Clarice? Clarice revive! E como se não bastasse, ao final da apresentação, depois de ter nos inundado com a mais pura arte, Beth Goulart ainda partilhou com o público generosamente o sucesso da noite, agradecendo pelo silêncio, pela contribuição da energia emanada pela platéia com a qual interagiu. Sinalizou ainda, que esse trabalho, é uma forma de tocar a pessoas, (tal como na sabedoria oriental e presente no I Ching), para que sejam melhores com elas mesmas, e depois e em conseqüência, melhores, em suas casas, bairros, cidades, países finalmente assim, estaríamos de fato contribuindo para um mundo melhor! Só posso agradecer a Clarice e a Beth, por tamanho empenho, sensibilidade e grandiosidade de espírito!

Como escreveu a escritora: “A arte é o vazio que a gente entendeu”.

E ficou claro (ou Clarice) que Beth Goulart entendeu.

Deixo aqui um trecho do texto Perdoando Deus, que pode ser lido na íntegra no blog Legião Estrangeira, em homenagem a Clarice.

“... Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ideologicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admito e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem podia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato?...”

Eu, assim como Clarice me perdôo, perdôo a Deus... e aos ratos, mesmo a ratazana que me atacou quando eu estava grávida, o rato que derrubou o pintor na escada, e todos os ratos que cruzaram ou ainda podem cruzar meu caminho, sinto profunda compaixão por eles, e assim, não é preciso que eu invente Deus, Ele é, somos nós!

Por alguma necessária e maravilhosa sincronia vários acontecimentos envolvendo Clarice Lispector estão ocorrendo, inclusive o Instituto Moreira Salles acabou de encerrar uma exposição de suas telas em guache com seu talento de pintora pouco revelado. Detalhes sobre a trajetória da peça e outros eventos relacionados a escritora aqui.

Saiba também, sobre a biografia do norte-americano Benjamim Moser, que ensejou torná-la mais conhecida no mundo. Muito se escreveu e se escreve sobre Clarice, mas para os que desejam se aprofundar ficam as sugestões:

Clarice: Uma vida que se conta. Nádia Batella Gotlib. Ed. Ática - 1995

Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector.Teresa Cristina Montero Ferreira. Ed. Rocco -1999

O Discurso da falta em Clarice Lispector. Gilda Plastino. E. Edifieo- 2008

No vídeo abaixo, um trecho de sua última entrevista, para a TV Cultura em 1977, mas são cinco partes, que merecem ser vistas.

sábado, 25 de abril de 2009

Momentum Perfeito - sintonia existencial

Foto: Chanca - Ana Red

Conta-me sobre o mundo, mas segura minha mão para que a vertigem não me deixe cair, conta-me sobre o existir, mas me dá um segundo para que eu possa respirar.

Na infância, todos nós passamos algumas vezes por uma experiência indescritível que nos arrebata e toma de assalto todos os nossos sentidos, quando ficamos plenamente expandidos e unificados com o todo. Esse estado de arrebatamento não se anuncia, não é previsível, vou chamá-lo de * Momentum Perfeito – sintonia existêncial - quando se atinge uma espécie de êxtase inexplicável pelo fato de simplesmente estar vivo, um sentimento de integração e unidade ocorre, mas não é possível controlá-lo, tão pouco provocá-lo, e na medida em que se tenta retê-lo, ele escapa, e tão sutis são seus limites, que a tentativa de explicá-lo pode conter o risco de nos lançar no labirinto da de-pressão existencial, quando somos invadidos pelo insondável mistério de existir, é preciso aprender a senti-lo. Ainda hoje o universo é tão grandioso e eu me sinto uma menina pequena engolida pelo mundo e sua metáforas, então eu peço, muita delicadeza e respeito com a sensibilidade das crianças, isso permitirá que no futuro, os arrecifes de memórias, desabrochem sementes guardadas, grávidas de momentuns perfeitos, essa é a sanidade possível que nos compete cuidar e permitir.

Margareth Bravo

* derivado da física

Foto: Passeio na Cascata - Ezequiel Vieira


Ninguém melhor que o queridíssimo poeta Manoel de Barros, com seu texto Achadouros, para exemplificar o que acabo de descrever, e a foto abaixo além de estar em perfeita sintonia, é uma homenagem a ele, um amante dos pássaros como eu:


"Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores d o que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apresada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infância. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador d e achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada à costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas."

Foto: Paz ... subtítulo Ver é pouco, olhar não chega, experimenta sentir... -
José Luis Almeida Albuquerque


Por uma dessas felizes coincidências que não se explica, quando estava para publicar esse post, recebi o livro Educação Infantil no Tempo Presente do escritor Marcos Meira, para se ter uma noção de como o livro me impactou, basta dizer que passei a madrugada acordada me deleitando e me surpreendendo com o vigor e poder curativo de suas idéias, veja o trecho abaixo:

"... ainda encontramos pessoas que imaginam que educar é preencher a criança com aquilo que ela não sabe, ignorando o que ela nos revela a cada dia que passa. Uma criança, por exemplo, acorda suavemente e procura tirar proveito de cada momento. Não quer perder os detalhes da vida. E é nessa ludicidade de sentir o pulsar alegre do coração - nessa capacidade de brincar com o tempo - que devemos nos mirar para apreender o grande mistério da vida."


Foto: O Garoto - Marcos Meira

quarta-feira, 25 de março de 2009

Nunca desprezo uma sincronicidade



Quando adolescente deitada na minha cama, sentindo a batida forte do mundo, com uma necessidade de ancorar em algo que fizesse sentido, escrevi na parede os nomes de Leila Diniz e Caetano Veloso. Escrevi bem pequeno, porque era mais para gravar no meu disco rígido como num rito, a memória de que sempre existem pessoas que ousam caminhar na transversal do mundo, os desequilibristas, os anarquistas “graças a Deus”, jamais poderia esquecê-los! Eles se tornaram meus amigos, pessoas que eu podia concordar ou discordar, mas sempre admirar.
Leila Diniz foi um cometa incandescente, que com sua vida breve marcou toda uma geração e rompeu alegremente barreiras como consta em biografia de Joaquim Ferreira dos Santos.


Quando um amigo me falou a respeito do blog Obra em Progresso do Caetano Veloso, fiquei feliz por ter uma forma de declarar meu amor e respeito por essa pessoa que tanto impactou meu olhar para o mundo. Então eu disse:

Quero agradecer a viagem histórica de nossa época pelo viés Caetano.

Como livre pensador e espécie de tradutor das profundas ânsias coletivas Caetano vem sendo ao longo dos anos um condutor de alquimias em nosso “DNA” de certa forma o absorvemos quer queiram ou não, em nossa corrente sanguíneo-subjetiva. Em Outras Palavras, Cores e Nomes, enquanto Uns ladram, nós não temos nenhuma Queixa, Caetano é um Raio de Luz do Sol a iluminar entendimentos e contradições, fala em uma Língua universal, provocando O Quereres que a todos mergulha vez por outra Numa Noite de Hotel , em Noites do Norte sem norte, nessa Terra, onde não podemos fugir da “dor-homem” , mas apesar e até por causa dos Podres Poderes, podemos perceber Qualquer Coisa, Fora da Ordem e é aí que faço uma Oração ao Tempo pedindo vida longa a Caetano.
Penso que o verdadeiro intelectual, é aquele que se revela pragmático, como Darcy, Deleuze, DaMatta, Caetano, apenas para citar alguns. E ao final Caetano e sua expressão no mundo, contudo, é apenas “Humano, demasiado Humano”. E eu sigo observando, com minha Alegria, Alegria e com nada nos bolsos ou nas mãos, mas o que importa mesmo, é que eu nasci para ser Superbacana!!!

Voltei ao meu blog, e confesso que levei um susto, eu acabava de ser visitada por alguém de Teerã, não havia como não associar o fato a música Qualquer Coisa, e naturalmente a Caetano, ainda espantada fiquei pensando... Será que eu estou prá lá de Teerã, será que Caetano está prá lá de Teerã, ou você, ou todo mundo? Acho que é isso, está todo mundo prá lá de Teerã, e nosso papo já está qualquer coisa. Mas, como e por que alguém do Irã acessaria meu blog?

Na seqüência recebi um email informativo da Hora do Planeta.

O mundo agora nos permite perceber que coabitamos uma grande casa, estamos mais do que nunca entrelaçados, interligados e isso permite ações maravilhosas e comoventes como as do movimento - Hora do Planeta - da WWF, isso nos coloca a todos, prá la de Marrakech.

O Rio de Janeiro, foi a primeira cidade a aderir ao movimento, mas isso não importa, o que importa, é que um mundo inteiro se abriu e se uniu nessa brilhante idéia!

E a sincroni- cidade? Bem, acredito que seja essa possibilidade, de simultaneamente, todas as cidades do mundo se unirem em pensamento e ação por um mundo melhor.

Salvemos o planeta em risco, salvemos a Terra!

Com extasiante alegria pela Hora do Planeta, Margareth

Mattloyd


Terra ( Caetano Veloso)

Quando eu me encontrava preso

Nas celas de uma cadeia

Foi que eu vi pela primeira vez

As tais fotografias

Em que apareces inteira

Porém lá não estavas nua

E sim coberta de nuvens

Terra, terra

Por mais distante

O errante navegante

Quem jamais te esqueceria
Ninguém supõe a morena
Dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema
Manda um abraço pra ti, pequenina
Como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria

Eu estou apaixonado por uma menina
Terra, signo de elemento
Terra, do mar se diz
Terra à vista
Terra, para o pé firmeza
Terra, para a mão carícia
Outros astros lhe são guia
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria
Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeria
Acontecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria
De onde nem tempo nem espaço
Pra gente te dar carinho
Que a força mande coragem
Durante toda a viagem
Que realizas no nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito
Terra, terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria Foto:FX - França- escultura


terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Culpa - o disfarce do medo

Foto: Teresa Soares - Aveiro -Portugal


Quando menina, por tradição familiar freqüentava as missas da Igreja Católica, havia uma máxima que me causava imenso desconforto e ficava ecoando em minha mente gerando um efeito de punição terrificante, e os fiéis repetiam: “por minha culpa, minha máxima culpa”. Hoje percebo o significado para essa questão por outro ângulo , não sei se era o que a orientação cristã pretendia ensinar, mas o fato é que desperdiçamos tempo e energia ao culpar o outro que faz órbita em nossa intimidade, por seja lá o que for que nos sucede. Retiramos nossos olhos de onde deveriam pousar, quando nos desculpamos por nossos adiamentos, por nossas apatias, pelo nosso desistir de buscar o que queremos responsabilizando o outro e espelhando nele nossos fantasmas. Essa transferência de culpa ou responsabilidade, apenas se transforma numa habilidade inútil de fugirmos de nós mesmos, nosso foco então, deixa de ser nossa meta, nosso real desejo para ser um desvio numa espécie de fardo por nós autorizado. Nesse sentido, tudo quanto nos acontece, é nossa permissão. Se existe espaço para responsabilizarmos alguém, por nossas perdas, desistências, frustrações e outras tantas pendências, no mínimo somos co-responsáveis por esse fardo – a culpa projetada no outro, é nada mais, nada menos que um disfarce do medo de crescer. Por isso, eu atualizo a sentença “minha culpa, minha máxima culpa” para – minha responsabilidade, minha máxima responsabilidade sou eu, sou eu, sou eu, simplesmente eu, porque permito seja lá o que for. Assim, libero o outro, e me ponho a olhar para aquilo que me causa medo e no que deve estar minha responsabilidade, investimento e zelo.

Margareth Bravo



Foto: Fju- Rússia


Auto-encontro


Se eu encontrasse comigo, eu teria medo de mim

Dos meus olhos, as minhas palavras

Da minha maneira de falar coisas profundamente tristes e ao mesmo tempo rir

A minha mão na cintura, da minha mão apoiando minha cabeça

Eu teria medo do meu olhar

E novamente do meu olhar, da firmeza dele, do desafio.

De tudo que ele consegue dizer quando estou muda

Do seu negrume transparente, da sua insistência

Do meu olhar... eu teria muito medo de mim Foto: Klaas - Amsterdam

Dele quando faminto, quando sedento

Quando penetrante na sua magia se exaltasse

Eu teria muito medo de ver o que ele faz por mim

E de quando ele não esconde nada



Medo eu teria quando estivesse fugindo, quando brincando de olhar

Mas, muito, muito medo eu teria, quando com medo de olhar...

Margareth Bravo