sábado, 25 de abril de 2009

Momentum Perfeito - sintonia existencial

Foto: Chanca - Ana Red

Conta-me sobre o mundo, mas segura minha mão para que a vertigem não me deixe cair, conta-me sobre o existir, mas me dá um segundo para que eu possa respirar.

Na infância, todos nós passamos algumas vezes por uma experiência indescritível que nos arrebata e toma de assalto todos os nossos sentidos, quando ficamos plenamente expandidos e unificados com o todo. Esse estado de arrebatamento não se anuncia, não é previsível, vou chamá-lo de * Momentum Perfeito – sintonia existêncial - quando se atinge uma espécie de êxtase inexplicável pelo fato de simplesmente estar vivo, um sentimento de integração e unidade ocorre, mas não é possível controlá-lo, tão pouco provocá-lo, e na medida em que se tenta retê-lo, ele escapa, e tão sutis são seus limites, que a tentativa de explicá-lo pode conter o risco de nos lançar no labirinto da de-pressão existencial, quando somos invadidos pelo insondável mistério de existir, é preciso aprender a senti-lo. Ainda hoje o universo é tão grandioso e eu me sinto uma menina pequena engolida pelo mundo e sua metáforas, então eu peço, muita delicadeza e respeito com a sensibilidade das crianças, isso permitirá que no futuro, os arrecifes de memórias, desabrochem sementes guardadas, grávidas de momentuns perfeitos, essa é a sanidade possível que nos compete cuidar e permitir.

Margareth Bravo

* derivado da física

Foto: Passeio na Cascata - Ezequiel Vieira


Ninguém melhor que o queridíssimo poeta Manoel de Barros, com seu texto Achadouros, para exemplificar o que acabo de descrever, e a foto abaixo além de estar em perfeita sintonia, é uma homenagem a ele, um amante dos pássaros como eu:


"Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores d o que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apresada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infância. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador d e achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada à costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas."

Foto: Paz ... subtítulo Ver é pouco, olhar não chega, experimenta sentir... -
José Luis Almeida Albuquerque


Por uma dessas felizes coincidências que não se explica, quando estava para publicar esse post, recebi o livro Educação Infantil no Tempo Presente do escritor Marcos Meira, para se ter uma noção de como o livro me impactou, basta dizer que passei a madrugada acordada me deleitando e me surpreendendo com o vigor e poder curativo de suas idéias, veja o trecho abaixo:

"... ainda encontramos pessoas que imaginam que educar é preencher a criança com aquilo que ela não sabe, ignorando o que ela nos revela a cada dia que passa. Uma criança, por exemplo, acorda suavemente e procura tirar proveito de cada momento. Não quer perder os detalhes da vida. E é nessa ludicidade de sentir o pulsar alegre do coração - nessa capacidade de brincar com o tempo - que devemos nos mirar para apreender o grande mistério da vida."


Foto: O Garoto - Marcos Meira