terça-feira, 31 de agosto de 2010

Crescer é uma aventura interminável

Foto: Leyla Emektar – Turquia – menina com pássaros


“Navegar é preciso, viver não é preciso.”

Fernando Pessoa

Somos educados desde pequenos a viver corretamente, a seguir regras pré-estabelecidas; o problema é que ninguém nos ensina a existir. Existir não é recurso pronto, é um caminho de autodescoberta constante, requer estar atento ao mundo interior e seus sinais. É preciso desenvolver uma percepção do que é confortável para nós, e o que de fato move nosso espírito, um cuidado permanente com nossas emoções, sensações. Esse zelo é que permitirá navegarmos nas ondas imprevisíveis da existência sem naufragarmos ou nos tornarmos autômatos.

Ao seguir as regras de bem viver do senso comum sem nenhum questionamento, pouco a pouco vai se perdendo a capacidade de ouvir a si mesmo. Assim, contaminados pelas sugestões obtusas, o tédio se instala, pois sem o contato com nosso ser mais profundo, nossa resposta a vida é pré-fabricada, e aquilo que seria um mar de possibilidades se reduz a águas estagnadas cujo visgo aprisiona em rotinas expostas publicamente como modelo de felicidade, apenas para ocultar o vazio alienante na vida privada. Essas são as pessoas consideradas normais e aprovadas socialmente. Pessoas que fazem qualquer coisa pelo status e pelo poder que ditaram que ela tinha que ter; se sustentam no poder sem postura ética, e acreditam que a caridade ocasional absolve. Suportam por longos anos situações que as violentam, só para manter as aparências, inventam um personagem social que não se relaciona de verdade com ninguém, claramente porque intimamente são inteiramente desprovidas de um relacionamento real consigo mesmas.

As pessoas que não apenas vivem, mas existem, geralmente são consideradas sonhadoras, utópicas, loucas, sofrem bastante com isso, entretanto com o tempo percebem que sua sensibilidade é um tesouro que possuem, e que não há nada mais plenificante do que ser um espírito livre.

As pessoas que apenas vivem, estão sempre tentando desautorizar, destruir ou copiar aqueles aspectos que elas julgam que seja apenas uma manobra de efeito das pessoas que existem.


Foto: O céu anda na terra - J. Pedro Martins - Portugal

Mas, é impossível atingir ou imitar as pessoas que escolhem existir, simplesmente porque o mundo delas é outro, é um mundo feito de busca, de aventuras, poesia, da autenticidade que se tece a cada dia, da coragem de transpor abismos, de descer ao inferno do ser para alcançar o céu da liberdade interior. Desde cedo, intuem o caminho da meditação, e embora possam não conhecê-lo pelo nome, sentem que para elas crescer é uma aventura interminável!



Foto: Ana Cristina Cannas - Afresco - Portugal

Além-mim


O mar se revela e aparece

Ora agitado, ora calmo

Maré cheia, maré baixa

Profundo e misterioso

Convidativo, inesperado

Meu ser mira o mar e nele estou refletida

Há mar, como eu...

Há mar em mim

Mas o mar não sabe que é mar

E eu, que igualmente não sei quem sou

Sei assustadoramente que sou

Ele me confronta com seu confortável não-saber

Indo e vindo sem saber que é mar

Eu, indo e vindo-a-ser

Sabendo que existo e existe o mar

Que não sabe que é mar, que não sabe o que é amar

Tão-pouco sabe o que é a-mor-te recordar todos os dias

Esquecer todos os dias

Além-mar, todas as possibilidades

Além-mim, todas as possibilidades, além do mar

Aí nos encontramos: ambos insondáveis!


Margareth Bravo


Foto: Duarte Almeida - Cores do Além -Portugal -


Essa postagem é dedicada com carinho, ao meu amigo e incentivador Sérgio Provisano, aos jovens que me escreveram relatando que se sentem oprimidos pela família e pela sociedade, e a todos que buscam preservar sua identidade existencial.