terça-feira, 5 de abril de 2011

A tragédia no Japão - nossa ferida narcísica

A historicidade do ser - óleo sobre tela 50 x 70 - fev, 2011

O mundo ainda se encontra abalado sob o impacto causado pela recente tragédia no Japão, algo como um espelho se quebrou.

O país do sol nascente possui ao longo de sua história traços marcantes quanto ao seu pensamento filosófico, apesar da cultura ocidental por um preconceito acadêmico, praticamente desconsiderar a filosofia oriental, quer queiram quer não, o oriente possui suas * correntes filosóficas (clique para verificar). Dentre tantos atributos da cultura japonesa, um dos que se destaca, é a vida pautada na tradição natural e isso engloba nada menos que tudo, desde a relação de cada um com seu mundo interior, até a relação com a sociedade. Um exemplo dessa prática é a tradição japonesa de honrar os mais velhos como possuidores de uma sabedoria dada pela vivência que deve sempre ser agregada à atualidade. As cenas que chamaram atenção do mundo onde os jovens adolescentes alimentavam afetuosamente os idosos vitimados pela tragédia, demonstraram não apenas solidariedade, mas a dignidade dada ao ancião naquela sociedade.

A grande lição que o Japão transmite ao mundo agora é a mesma que transmite a si mesmo necessariamente, porque em algum momento que não sei precisar historicamente, esse país se deixou contaminar pela cultura ocidental identificando-se com aqueles que os elegeram como inimigos, a saber: os Estados Unidos. Não sabemos a fundo as conseqüências dessa contaminação cultural, mas certamente ela se tornou um desafio para a filosofia japonesa.

Hoje quando o mundo inteiro acompanha perplexo a tragédia que abateu o Japão, compartilhamos imagens marcantes que são como uma metáfora de nossos tempos – objetos mitificados pela sociedade de consumo, bóiam indiferentes num mar de destruição, e os símbolos mais caros aos desejos humanos estão ali reduzidos ao nada. Dessa forma abre-se uma profunda ferida narcísica no coração da humanidade. O choque se dá pela percepção imediata de nossa total falta de controle sobre a natureza e de como os valores que têm nos guiado são frágeis. De alguma forma todos nós nos perguntamos: isso poderia acontecer no meu país? Serei eu uma futura vítima de uma tragédia dessa proporção?

Para o Japão, se dá diferente, pois ao ver naufragar tantas vidas e se deparar com a incalculável perda material, a nação tem a oportunidade de redescobrir seus valores filosóficos da tradição natural.

Tanto para o Ocidente, quanto para o Oriente o espelho foi quebrado: o homem-deus morreu! A noção de finitude não vem mais como uma questão individual, mas agora podemos inaugurar uma nova ética – a finitude planetária – porque esse posicionamento vai determinar a sobrevivência da civilização humana.

Mas fortemente depois 2ª guerra mundial, os Estados Unidos retêm a hegemonia sobre a maior parte do mundo, dado possuir um discurso prático de propaganda e marketing pessoal, que vende com êxito o seu ideal de sucesso, entretanto, seu maior escopo é manter a gigantesca indústria armamentista além de enviar seus jovens para as guerras por amor à pátria. Os incontáveis recursos empregados (inclusive na fabricação de guerras, cujo único objetivo é o lucro) nessa indústria se fossem direcionados para a harmonia do ser humano na terra, traria imensas possibilidades de um salto no percurso histórico do homem com a perspectiva de responsabilizar a todos pelo planeta. Assim nos toca intensamente a conduta dos Cento e oitenta de Fukushima, uma mostra evidente de como o fato de serem fiéis a tradição da cultura filosófica pôde se revelar numa postura ética exemplar para o mundo.

Nas diversas reportagens sobre a tragédia, uma delas se destacou aquela que demonstrou um modo de lidar com o inesperado bastante incomum – o silêncio. Uma japonesa entrevistada pela

TV Bandeirantes resumiu o significado do silêncio pungente adotado por seus conterrâneos: Não explodimos em emoção agora, pois vamos precisar dessa emoção no futuro como energia para uma explosão de reconstrução.” Sob forte tensão, propriamente pelo abalo da tragédia, somado as dificuldades oriundas dela, como falta de alimentos, desalojamento, perdas e ainda o desafio do rigoroso inverno, os japoneses mantinham o silêncio e a ordem. Esses são traços característicos da filosofia japonesa, e por ter que exercê-la em toda sua plenitude de forma tão abrupta, é que o espelho se quebrou e o Japão pode ver a si mesmo com atávicos recursos filosóficos sólidos da tradição natural para resgatar-se não apenas do tsunami provocado pela natureza, mas também daquele tsunami despercebido provocado pela contaminação da cultura ocidental.

Para nós ocidentais, ficam duas grandes questões – a primeira, de que podemos aprender muito com a cultura oriental, essa que praticamente excluímos do douto saber ocidental, embora o filófoso Heidegger tenha apontado que o caminho para a filosofia era fazer uma ponte entre ocidente e oriente, essa questão permanece pouco ou nada discutida. A segunda, é que estamos todos na barca da existência e nos perguntamos o que é isso? Para onde caminha o homem? Continuaremos distanciados da tradição quando nossos ancestrais tinham por técnica o diálogo com a natureza? Agora temos uma extraordinária oportunidade de responder junto com o Japão. Frente aos riscos planetários que acabamos de sofrer, somos levados a pensar a existência humana no planeta Terra. Pensaremos?


Ikenishi Gonsui (1650–1722)

kogarashi no
hate wa ari keri
umi no oto

Tradução:

O vento cortante
Assim chega ao seu destino –
Barulho do mar.

Buson

kangetsu ya
mon naki tera no
ten takashi
Tradução:
A lua fria - / Sobre o templo sem portão / O céu tão alto.

Fonte: http://www.nippobrasil.com.br/

Entrevista que vale à pena ver.
http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=100000411773


Margareth Bravo

4 comentários:

  1. Muito forte tudo que aconteceu e tudo que você escreveu.
    Que a gente siga o exemplo da mulher que disse: "Não explodimos em emoção agora, pois vamos precisar dessa emoção no futuro como energia para uma explosão de reconstrução.”
    Que a gente possa reconstruir sempre.
    Bjs

    ResponderExcluir
  2. Minha cara, só agora que li! E me valeu muito, levo daqui o pensamento da japonesa que você citou: "Não explodimos em emoção agora, pois vamos precisar dessa emoção no futuro como energia para uma explosão de reconstrução.”, isso me caiu como uma luva para o meu momento. E quanto a "finitude planetária" (termo que li agora e me vem um monte de coisa à cabeça...rs) me parece que infelizmente estamos mais próximos dela do que de uma reversão, pois ainda a maioria de nós não pensa sequer na própria finitude, que dirá a dessa enorme bola azul de dimensões extraordinárias diante da nossa pequenez.
    bjs

    ResponderExcluir
  3. Oi Adriel,
    Sempre fico alegremente surpresa com suas visitas e leituras.
    É verdade, muitos de nós, sequer olhamos nos olhos uns dos outros. Tenho a triste sensação e percepção de que cada vez mais somos uma sociedade robotizada. Fugimos do destino certo da morte matando a vida, fingimos que a morte não existe e assim vivemos menos, quando ocorre uma tragédia dessa dimensão, é como um soco na boca do estomago. Creio que nesses dias o consumo de drogas de todos os tipos tenha aumentado. Pensar para quê não é mesmo? Gostaria de ler sobre esse monte de coisas que veio à sua cabeça. um forte e afetuoso abraço!

    ResponderExcluir
  4. Jô, obrigada por seu comentário! Penso como vc que possamos recontruir sempre! beijos

    ResponderExcluir

Muito obrigada por sua visita! Enriqueça o espaço dessa procura, contribua com sua reflexão.
Ao selecionar o perfil, escolha "nome/url". Preencha seu nome e deixe o campo "url" em branco, caso não possua site ou blog.Saudações!